BRAVA GENTE: A TRAJETÓRIA DO MST E ALUTA PELA TERRA NO BRASIL

| Publicado por Rodrigo Sousa em: 3 de novembro de 2012 |

STEDILE, João Pedro; FERNANDES, Bernardo Mançano. Brava Gente: A trajetória do MST e aluta pela terra no Brasil. Fundação Perseu Abramo: São Paulo, 1999.




A TRAJETÓRIA DO MST E A LUTA PELA TERRA NO BRASIL

Raízes

“[...] dizemos que a gênese do MST foi determinada por vários fatores. O principal deles foi o aspecto socioeconômico das transformações que a agricultura brasileira sofreu na década de 1970. Nessa década houve um processo de desenvolvimento que José Graziano da Silva denominou de ‘modernização dolorosa’. Foi o período mais rápido e mais intenso da mecanização da lavoura brasileira.”
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/O referido período corresponde a massificação da implementação das indústrias no Brasil, sobretudo no campo (agroindústrias) o que ocasionou em grande êxodo rural e formação das periferias das grandes cidades/

“Do ponto de vista socioeconômico, os componentes expulsos pela modernização da agricultura tiveram fechadas essas duas portas de saída – o êxodo para as cidades e para as fronteiras agrícolas. Isso obrigou os a tomar duas decisões: tentar resistir no campo e buscar outras formas de luta pela terra nas próprias regiões onde viviam. É essa a base social que gerou o MST. Uma base social disposta a lutar, que não aceita ne a colonização na ida para a cidade como solução para os seus problemas. Quer permanecer no campo e sobretudo, na região onde vive.”
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/A dita base social que originou o MST corresponde a parcela da população que vivia até então sob a manutenção da agropecuária tradicional que, foi substituída pelas indústrias que exigiam menor quantidade de mão de obra e mão de obra especializada, condição socioeconômica fundamental para a organização do movimento/

“[...] O segundo [elemento importante na gênese] é o ideológico. [...] é o trabalho pastoral, principalmente na igreja católica e da igreja luterana. [–] O surgimento da Comissão Pastoral da Terra (CPT). Em 1975, em Goiânia (GO), foi muito importante para a reorganização das lutas camponesas. Num primeiro momento ela reuniu os bispos da região amazônica, que percebiam o altíssimo grau de violência cometida contra os posseiros das regiões Norte e Centro-Oeste do país. [...]”
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/O engajamento das igrejas católica e luterana na causa, foi outro fator fundamental para a gênese do MST, pois criou agora as condições ideológicas necessárias à sua edificação/

“[...] o MST não surgiu só da vontade do camponês. Ele só pôde se constituir como um movimento social importante porque coincidiu com um processo mais amplo de luta pela democratização do país. A luta pela reforma agrária somou-se ao ressurgimento das greves operárias, em 1978 e 1979, e a luta pela democratização da sociedade.”
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/Neste mesmo momento, todo o país se via diante de grandes outros movimentos em luta pela implementação de uma verdadeira democracia no Brasil, aja vistas a presença do momento ditatorial em que passava o país/


Características e princípios

“[...] O homem do campo geralmente se define como agricultor, trabalhador rural ou como meeiro, arrendatário. É, na verdade, mais um conceito sociológico e acadêmico, que até pode refletir a realidade em que eles vivem, mas que não foi assimilado.[...] Na essência, o MST nasceu como um movimento camponês, que tinha como bandeira as três  reivindicações prioritárias: terra, reforma agrária e mudanças gerais na sociedade. Quando nós mesmos fomos nos conceituar, percebemos que o MST era diferente dos movimentos camponeses históricos, que apenas lutavam por terra.”
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/Sempre houve uma grande discussão sobre a organização do MST, como um movimento camponês diferenciado, pois desde o início já contava com um conjunto de doutrinas a serem respeitadas./

“[...] A primeira [característica] foi a de ser um movimento popular, em que todo mundo pode entrar [...], popular no sentido de que dentro da família camponesa vai todo mundo [...], ideologia em que entra todo mundo que queira lutar pela reforma agrária.”
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/Na sua gênese decidiu criar um movimento com características que enfatizam o que foi comentado, entre elas buscou fazer um movimento popular que permitisse o engajamento de pessoas dos mais diversos segmentos sociais, além de buscar abranger também todos os membros da família./

“[...] Esse caráter popular, de se abrir para outras profissões, sem discriminar, mas também sem perder as características  de um movimento de trabalhadores rurais, acabou trazendo uma consistência que contribuiu para formar um movimento com organicidade e com uma interpretação política maior da sociedade.”
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/Realmente, a estratégia de envolver pessoas com habilidades diversas permitiu a criação e um movimento diversificado, pronto para situações diversas e abrangente de grande parte ideológica da sociedade./

“[...] Uma outra característica é o componente sindical. E sindical, aqui, no sentido corporativo [...] Mesmo depois que a família está assentada, ela passa a lutar por créditos para a produção, por estrada, pelo preço de seu produto etc. portanto também há dento do MST um componente sindical corporativo, que só interessa a categoria dos agricultores.[...]”
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/Logo no início já ficou claro para os organizadores do MST, que seria necessário criar uma relação continuada entre os mais diversos setores e membros, o que levou á uma organização de caráter sindical corporativo./

“Essa terceira característica – o caráter político do movimento. [...] Tivemos a compreensão de que a luta pela terra, pela reforma agrária, a pesar de ter uma base social camponesa, somente seria levada adiante se fizesse parte da luta de classe. [...]”
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/Para levar adiante a luta pela reforma agrária não seria suficiente a simples ideologia da luta, o que poderia criar individualismos, sentiu-se a necessidade de buscar outro elemento de tão grande importância ideológica para unir os participantes do movimento, optou-se então pela criação de uma identidade de classe, sob caráter altamente político para tal fim./

“[...] devemos nos preocupar em aplicar alguns princípios organizativos. Por quê? Porque esses princípios, se respeitados, iriam garantir a perenidade da organização. [...], primeiro, ter uma direção coletiva, um colegiado dirigente. Movimento camponês com um presidente só tem dois caminhos: ou ele vai ser assassinado, ou vai ser traidor.[...]”
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/Para manter as características anteriormente anunciadas, seria necessário criar uma organização estruturada sobretudo em princípios que regeria as ações dentro do MST, o mais importante, trata da direção e coordenação de tais ações, optando por uma direção coletiva, o que deveria garantir decisões democráticas, e de caráter não corrupto./

“[...] o segundo principio  é o da divisão de tarefas que permite  a organização crescer e trazer para dentro dela as aptidões pessoais.[...]”
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/Seria necessário também a consciência de que cada pessoa envolvida com o movimento deveria assumir uma responsabilidade, a que fosse mais condizente com suas habilidades, assim, cada um saberia o que fazer, sem ser necessário ser ordenado./

“[...] a questão da disciplina. [...] Se não houver um mínimo de disciplina, pela qual as pessoas respeitem as decisões das instâncias, não se constrói uma organização. Isso é regra da democracia. Não é militarismo ou autoritarismo. Muito pelo contrário. Repito, ate para combater certos desvios batistas, que a democracia também exige  normas ou regras para serem seguidas.[...]”
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/O comprometimento, regido pela disciplina, constituem mais um dos princípios do MST, pois tal comprometimento garantia que os componentes do movimento fossem organizados e assumissem sua postura dentro do mesmo./

“O estudo é outro principio que aprendemos e procuramos aplicá-lo da melhor forma possível. Se tu não aprenderes, não basta a luta ser justa. Se não estudares, consequentemente nem tu ne a organização irão longe. [...]”
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/A base teórica do MST, assumida pelo princípio do estudo lhe garantiu sucesso que não foi obtido por tantos outros movimentos de caráter semelhante, pois estes estudos permitiram analisar os erros para que não fossem repetidos, bem como os acertos para criar estratégias de luta./

“[...] formação de quadros, que é o nosso quinto princípio. Nunca terá futuro a organização social que não formar os seus próprios quadros ninguém de fora da organização vai formar os quadros para nós. Precisamos de quadros técnicos, político, organizadores, profissionais de todas as áreas. [...]”
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/Um movimento de dimensões como o MST exige um grande contingente de pessoas envolvidas, sobretudo, com funções diferenciadas, para tanto optou-se por incentivar a educação de membros do próprio movimento para execução de tais tarefas, pois assim esta ação funcionaria como um investimento interno ao movimento./

“Outro principio: a nossa luta pela terra e pela reforma agrária – já havíamos descoberto por nós mesmos – só avançará se houver luta de massas. [...] O direito assegurado na lei não garante nenhuma conquista para o povo. Ele só é atendido quando há pressão popular.[...]”
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/Talvez a maior marca do MST consiste na insistente luta pela terra, tal fato é um dos mais importantes princípios do movimento, pois é o momento em que efetivamente ocorre a prática de ações concretas que resultam em soluções também concretas./

“[...] O sétimo principio é a vinculação com a base. Por mais alto nível que tenha um dirigente, por mais estudado que seja, por mais combativo e lutador que demonstre ser, se não mantiver o pé no chão, se não mantiver atividades de base, senão mantiver vínculos com a sua base social, não irá longe. [...]”
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/De nada teria importância ou respaldo um movimento social que não estivesse diretamente interligado internamente, sobretudo tendo a base como de fundamental importância na tomada de decisões. Daí a importância que o MST sempre deu aos camponeses que constituem a verdadeira massa do movimento./


Aprendizado

“A maioria dos militantes mais preparados do movimento teve uma formação progressista em seminários da igreja. Essa base cristã não veio por um viés do catolicismo ou da fraternidade. A contribuição que a Teologia da Libertação trouxe foi a de ter abertura para várias ideias. Se tu fizeres uma análise critica da Teologia da Libertação, ela é uma espécie de simbiose de várias correntes doutrinárias. [...] Em suma, incorporamos dela a disposição de estar abertos a todas as verdades e não somente a uma, porque esta única pode não ser verdadeira. [...]”
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/Dentro do MST não é pequena a quantidade de pensadores e estudiosos que tornam o movimento, um movimento diferenciado, tais pensadores buscaram influencia na Teologia da Libertação, que deu apoio às tomadas de decisões nos momentos distintos, mas, sobretudo, foi na experiencia e no estudo das experiencias de outros movimentos, que o MST, ganhou forças e pode preparar suas táticas de ação./


Governo: dos militares a Itamar

“[...] E, foram os dois períodos em que houve mais assentamentos [segundas metades das décadas de 1980 e 1990]. Na época do Sarney, quando o governo não agilizava o assentamento, ninguém nos tirava da área ocupada. Virava, na prática, um assentamento. Como o Estado não podia desencadear a repressão maciça, porque as nossas ocupações eram de massas, surgiu a UDR como uma forma de organização do latifúndio. Ela surgiu com duas intensões: reprimir o MST e, sobretudo, fazer pressão sobre o governo. [...]”
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/Neste momento, o Brasil passava por mais um momento de conturbação política e, diante de tais condições o MST se aproveitou para fazer cada vez mais ocupações e buscar fazer ações para manter a correlação de forças a seu favor./

“[...] A derrota da candidatura Lula foi uma derrota politica após dez anos de ascessão do movimento de massas do Brasil. Ela nos atingiu também. Como estávamos na adolescência, éramos um movimento muito fraco ainda. Foi como se perdêssemos o pai ainda jovem, porque não tínhamos maturidade suficiente para compreender o momento histórico que vivíamos. Afetou o ânimo da militância e aquela expectativa de que era possível fazer uma reforma agrária rápida. [...]”
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/Um dos piores momentos vivido pelo MST corresponde à derrota de Lula nas eleições presidenciais, isso representou um verdadeiro baque para o movimento que apoiava diretamente tal candidatura, pois construiu-se toda uma estrutura ideológica em torno de tal eleição, que representava uma oportunidade de revolucionar as condições sociais e políticas no país./


Educação

“Já do ponto de vista da divulgação, para os meios de comunicação, para a sociedade em geral, o ENERA ajudou a propagandear, no sentido positivo, que o MST não se preocupa só com terra, se preocupa também com a escola, com educação. [...]”
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/Desde o início o movimento já demonstrou inquestionável atenção à educação, mas a criação do ENERA, assumiu a real dimensão de tal preocupação ao incentivar de forma incessante, a educação como transformadora./

“[...] Estes seriam, digamos, os dois desvios da esquerda: achar que o coletivismo resolve tudo ou ficar esperando pelo socialismo. Há também um desvio de direita, atrasado ou basista, que defende deixar que o camponês por si só resolva os seus problemas ou que simplesmente se integre no mercado e vire um pequeno capitalista. Nosso programa agrário busca superar ideologicamente essas dicotomias. Ele representa uma proposta de como reorganizar o meio rural do Brasil, para democratizar a terra e o conhecimento. [...]”
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/Ao buscar aliar o conhecimento e a democracia da terra, o MST buscou construir ao longo de sua existência, a prova de que é possível construir uma sociedade com princípios e valores diferentes, daqueles pregados por tão conhecido “modo de produção capitalista”, que  reproduz uma ideologia, sobretudo individualista, competitiva e não solidária./

“BERNARDO: O MST vai contra toda uma corrente que existe no mundo inteiro hoje, que defende que o campo vai acabar. Ao criar uma outra politica, cria, consequentemente, uma nova concepção. O setor de Educação passa a ter uma grande responsabilidade, por que o professor daquela escola rural é um trabalhador rural. Os pesquisadores que vão trabalhar em determinado assentamento também são trabalhadores a partir de uma nova concepção de vida rural. Em decorrência disso, o MST enfrenta uma luta difícil, que é a de tentar explicar aos educadores, aos governos, enfim, as pessoas que desenvolvem politicas públicas que a escola não pode ser na cidade, que a escola tem que ser no assentamento.”
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/A luta por uma identidade rural, fez com que os participantes do MST buscasse articular o conhecimento técnico-científico à realidade rural, de maneira organizada, e inter-relacionada. Tal condição fica escancarada na luta por uma educação no campo e do campo./


Organização

“[...] O MST hoje trabalha em várias frentes, como as lutas por reforma agrária, produção de alimentos, educação, melhoria da qualidade de saúde e de vida da população que está na organização etc.[...]”
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/Para manter o caráter continuador do MST, desmistificando os movimentos sociais como sendo de fins exclusivos para luta, o movimento buscou articular diversas frentes de ações, para garantir que fosse cumprido o compromisso de um movimento realmente social./

“[...] Recuamos sempre que houve votações de empate ou vitória por uma pequena maioria. Nunca decidimos pelo número [...]. Quando tu sentes que não é a grande massa que está convencida por aquela decisão, é preferível esperar um pouquinho mais. Isso está ligado à idéia de gestação de que estávamos falando. Assim, quando se tomam as decisões no movimento, em geral elas são quase unanimes. Isso não está em nenhum regulamento interno. Acho que foi se criando essa sensibilidade de que quando a coisa é muito empatada não vale a pena insistir. É preciso amadurecer mais. [...]”
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/A opção pela justiça. Moralidade e organização faz com que o MST resista aos momentos diversos, pois é com base nestes princípios intrínsecos nas decisões do movimento que permitem o acerto e o cumprimento real da vontade da maioria./


Instâncias

“[...] Ninguém imaginaria que iria ter um Setor de Produção, de Assentamentos etc. este último setor, por exemplo, começou basicamente em 1986, quando realizamos o I Encontro Nacional dos Assentados, em Cascavel (PR). Como a maioria dos assentamentos era da região Sul, aquele Encontro Nacional resolveu ter como bandeira principal a luta por crédito. Discutimos uma nova linha de crédito do BNDES. Daí nasceu a Comissão Nacional dos Assentamentos. [...]”
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/Como já foi mencionado anteriormente, a organização desejado pelo MST levou a criação de várias frentes de ações, entre elas a preocupação pela articulação dos assentamentos, pois não era suficiente ocupar a terra se não fosse articulado o mínimo de estrutura para manutenção de tal espaço./

“[...] Na medida em que vai surgindo uma nova atividade, não se sabe como apelidá-la. Nunca tivemos a preocupação de ter um organograma certinho, aliás nunca existiu organograma no MST. As coisas foram acontecendo de acordo com a necessidade. [...] O principal é ir desenvolvendo a atividade. É irrelevante o nome que mais tarde daremos a ela.[...]”
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/A existência da estrutura organizacional do MST não é resultado e um planejamento prévio, mas do conjunto de necessidades que foram surgindo com o tempo e com as condições que foram enfrentadas pelo movimento./


Produção e cooperação agrícola

“[...] Na primeira etapa do movimento, que vai desde as primeiras ocupações de 1979 ate 1985, havia uma visão romântica da produção. Isso porque a memória histórica dos camponeses que conquistavam a terra estava ainda na etapa anterior à modernização da agricultura. A família foi expulsa pela maquina, mas o seu memorial técnico era do boi e da enxada. [...] Era muito difícil fazer a discussão da organização da produção com os trabalhadores.[...]”
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/Um dos maiores desafios enfrentados pela administração do movimento consistiu na introdução de uma nova cultura técnico-científica dentro dos assentamentos, pois as famílias teriam que se adaptar ao novo ambiente que apresentavam suas peculiaridades e, sem falar na função do MST de criar uma assistência continuada a tais famílias assentadas./

“[...] Naquele período, de 1986 a 1990, o grande avanço que obtivemos foi o desenvolvimento dessa teoria da cooperação agrícola deveriam ser flexíveis é preciso levar em conta as condições objetivas e subjetivas da comunidade que vai aplica-la. As condições objetivas são o nível de acumulação de capital existente, o tipo de produto que é possível produzir, as condições naturais existentes no assentamento. [...]”
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/A opção pela cooperação agrícola fez do MST um movimento que pudesse orientar as famílias assentadas a introduzirem em sua prática produtiva, métodos mais adequados e cooperativos de produção, por análises profundas no que seria melhor./

“As condições subjetivas são o grau de consciência politica e a história de participação de uma determinada comunidade adquiridos na luta para a conquista da terra. [...]”
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/Não bastava investir na produção, mas na reflexão sobre o ato político que era executado ao longo de todo o processo./

“A divisão do trabalho é uma questão objetiva, não é resultante de uma discussão nem depende da boa ou da má vontade das pessoas o trabalho, para o seu êxito, exige a especialização das pessoas. Para que isso ocorra cada vez melhor e com rapidez cada vez maior, é preciso dividir tarefas. É claro que há uma variação do grau de complexidade dessa divisão do trabalho. Isso depende do estágio e  que se encontra essa organização do trabalho.”
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/A produção também tinha uma divisão de tarefas e o incentivo à produção consciente com o objetivo maior de garantir que fosse produzido aquilo que gerasse lucro para a comunidade, da melhor forma possível e com as melhores técnicas./


Ocupação

“[...] como diz o professor Plínio de Arruda Sampaio: ”A elite pode até aceitar que os pobres peçam favores ou mendicâncias, mas jamais aceitará que eles se organizem para exigir seus direitos”. E a ocupação é uma forma aglutinadora, não é um grito isolado. Se tu deres o grito isolado e fores ocupar um supermercado, ai justificam o crime: “Tá vendo, além de pobre é ladrão”.[...]”
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/As barreiras enfrentadas durante as ocupações não são poucas, sobretudo daqueles que deveriam estar defendendo os interesses da sociedade, como polícia e governantes, mas a grande verdade é que a força da união ameaça as correlações de forças e causa medidas dolorosas durante as ocupações./


Solidariedade e desenvolvimento

“O segundo desafio, assim podemos dizer é o exercício intensivo da solidariedade com a sociedade. Essa solidariedade deve ocorrer em coisas práticas, como por exemplo estabelecer um banco de doadores de sangue para os hospitais públicos das cidades próximas aos assentamentos. Devemos ser os primeiros voluntários a presta ajuda em casos de catástrofes naturais, como enchentes, temporais, secas etc. os assentamentos devem fazer brigadas de solidariedade para atender esses casos.”
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/A organização presente no MST, permite o planejamento de operações táticas solidárias, com o objetivo de mostrar para a sociedade que seus princípios não constituem somente na ocupação da terra, mas a criação de um conjunto de relações com a sociedade como um todo, pois o MST não é algo isolado do mundo, pelo contrario, busca uma interação maior de iguais para iguais./


Mística

“[...] A mística só tem sentido se faz parte da tua vida. Não podemos ter momentos exclusivos para ela, como os congressos ou encontros nacionais ou estaduais. Temos de pratica-la em todos os eventos que aglutinem pessoas. Já que é uma forma de manifestação coletiva de um sentimento. Queremos que esse sentimento aflore em direção a um ideal, que não seja apenas uma obrigação. Ninguém se emociona porque recebe ordem para se emocionar, se emociona porque foi motivado em função de alguma coisa. Também não é uma distração metafísica ou idealista, em que todos iremos juntos para o paraíso. Se for assim, então vamos chorar, como se faz em muitas seitas religiosas. Já os carismáticos, estes usam a mística para um ideal inalcançável. No caso ela não se sustenta, da mesma forma que esse movimento carismático não dura a vida inteira. As pessoas se darão conta do engodo, que pode até durar 20 anos ou 30 anos, mas não sobrevive na história da humanidade. Diferentemente, fomos construindo maneiras de fazer mística a partir de uma maior compreensão. Antes só imitávamos: “A igreja usa determinada liturgia mística para manter a unidade em torno do projeto do Evangelho”. Quando forçávamos a cópia, não dava certo porque as pessoas têm dessa compreensão, em cada momento, em cada atividade do movimento, ressaltamos uma faceta do projeto como forma de motivar as pessoas.”
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/A mística é de grande importância na construção do ideal do MST, pois insiste na união das pessoas como sendo capazes de buscar realizar tal ideal que no fundo é o que cada componente do movimento mais quer, ter seu lugar, criar relações emotivas e tudo isso, baseado na mística./


FHC: contra a reforma agrária

“Na conjuntura da luta pela reforma agrária de 1995 a 1997, a interpretação que fazemos parte de duas premissas. A primeira: o governo FHC faz uma leitura da realidade agrária brasileira dizendo que  não existe mais problema, a grande propriedade não é empecilho para o desenvolvimento do capitalismo brasileiro, não é mais necessário fazer uma reforma agrária do tipo capitalista. Isso eles nos dizem com essas palavras.”
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/A primeira concepção de reforma agrária, absorvida pelo governo do FHC, tratava o problema como inexistente, pois o grande problema não era o tamanho da propriedade no desenvolvimento do capitalismo, seria suficiente o contato do homem com a terra, mesmo que não fosse contato de propriedade./

“[...] A segunda premissa da política do governo é que o modelo econômico que está em implantação subordina completamente a nação ao capitalismo internacional. Para isso, abre o mercado para produtos de fora e entrega da economia ao domínio do capital financeiro. Hoje, a hegemonia, o centro de acumulação econômica, é o capita financeiro. Ora, nesse modelo a agricultura é marginalizada. A própria burguesia não vê mais na agricultura um centro de acumulação.”
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/Sob um segundo ponto de vista, o governo passa a enxergar a não necessidade de incentivo á reforma agrária, pois percebia-se maior necessidade do homem em outros meios de produção que não a agricultura, esta deveria caber realmente aos grandes latifundiários./


A marcha

“[...] O movimento tem essa característica: tudo é movimento, no sentido literal da palavra. A ideia da marcha teve a mesma origem da ideia das caminhadas, coisa que já vinhamos praticando há muitos anos. [...] o sentido da caminhada não é uma coisa nova nem é ideia original do MST, nem das organizações camponesas ou dos trabalhadores. Estudando a história dos povos, percebemos que sempre existiram exemplos de caminhadas. Nas lutas mais generosas da humanidade, sempre houve caminhadas massivas e longas. É u gesto coletivo já histórico.”
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/A marcha representa no movimento, a união e luta pela terra, desperta os sentimentos de justiça e igualdade, o que cria a verdadeira reinvindicação por direitos./


A reforma agrária

“O primeiro conceito da reforma agrária poderia ser caracterizado como aquela reforma agrária do tipo clássico, que foi feita pelas burguesias industriais no final do século passado e até depois da Segunda Guerra Mundial. É, pois a reforma agrária clássica, capitalista. Qual era seu principal objetivo: democratizar a propriedade da terra, distribuindo a terra para os camponeses e os transformando em pequenos produtores autônomos. [...]”
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/Inicialmente, a reforma agrária era tida como a simples distribuição de terra, visando a autonomia do beneficiado, não existia uma preocupação realmente política com o futuro do homem e da própria terra./

“O segundo conceito se refere à confusão entre reforma agrária e política de assentamentos. Fazer assentamentos de famílias sem terra não significa necessariamente fazer reforma agrária. [...]”
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/A reforma agrária envolve uma escala diferenciada, a nível de país, ou mesmo estado, o que é diferente do assentamento, que se destina a uma pequena comunidade, sem falar que a reforma agrária se faz com redistribuição justa de terra e não com a simples permissibilidade ou doação da terra./

 “O terceiro conceito de reforma agrária utilizado no Brasil seria [...] considerar que o Brasil enfrenta um grave problema agrário que é a concentração da propriedade da terra, e que, portanto, para resolver esse problema, é necessário realizar um amplo programa de desapropriações de terra, de reforma rápida, regionalizada e distribui-la a todas as famílias sem terra, que são 4,5 milhões em todo o Brasil.”
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/A efetiva reforma agrária só é possível com altos investimentos em um conjunto de fatores que configuram a realidade da posse da terra no Brasil, desde a infraestrutura básica à questão ideológica./

“O que avançamos então com o movimento, na concepção de nossa luta pela reforma agrária, é que partimos da nossa realidade e vimos que há dois problemas estruturais no meio rural brasileiro: a pobreza e a desigualdade social. Portanto, os objetivos estratégicos do MST lutam pela eliminação da pobreza e das desigualdades sociais. E para alcançá-los achamos que no meio rural é necessário começar pela distribuição da propriedade da terra. [...]”
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/A observação da realidade do campo, fez do MST um movimento estratégico com o fim maior de oferecer a possibilidade de posse da terra aos camponeses, mas com ela, toda a identidade, estrutura e cultura que é necessária./

“E finalmente achamos que na nossa realidade a reforma agrária precisa vir casada com a democratização da terra e do capital com uma multidão de analfabetos. Por outro lado, na sociedade moderna, conhecimento, cultura, informação é poder. E é necessário que todos os camponeses tenham acesso a esses conhecimentos, por isso é necessário democratizar a educação.”
Página 162
/Um dos grandes problemas enfrentados por muitos países, na execução de suas reformas agrárias consistiu na não democratização da terra, que mesmo ocorrendo a reforma ainda permaneciam as propriedades improdutivas, ou em muitos casos foi destinado a tal reforma as terras de difícil cultura. E, mais uma vez vale ressaltar que a reforma deve ser tão agrária como social, pois é necessário uma consciência política e educacional para que o processo de reforma agrária possa se reproduzir./
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