| Publicado por Rodrigo Sousa em: 3 de novembro de 2012 |
STEDILE, João Pedro; FERNANDES, Bernardo Mançano. Brava Gente: A trajetória do MST e aluta pela terra no Brasil. Fundação Perseu Abramo: São Paulo, 1999.
A TRAJETÓRIA DO MST E
A LUTA PELA TERRA NO BRASIL
Raízes
“[...] dizemos que a gênese do MST foi
determinada por vários fatores. O principal deles foi o aspecto socioeconômico
das transformações que a agricultura brasileira sofreu na década de 1970. Nessa
década houve um processo de desenvolvimento que José Graziano da Silva
denominou de ‘modernização dolorosa’. Foi o período mais rápido e mais intenso
da mecanização da lavoura brasileira.”
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/O
referido período corresponde a massificação da implementação das indústrias no
Brasil, sobretudo no campo (agroindústrias) o que ocasionou em grande êxodo
rural e formação das periferias das grandes cidades/
“Do ponto de vista socioeconômico, os
componentes expulsos pela modernização da agricultura tiveram fechadas essas
duas portas de saída – o êxodo para as cidades e para as fronteiras agrícolas.
Isso obrigou os a tomar duas decisões: tentar resistir no campo e buscar outras
formas de luta pela terra nas próprias regiões onde viviam. É essa a base
social que gerou o MST. Uma base social disposta a lutar, que não aceita ne a
colonização na ida para a cidade como solução para os seus problemas. Quer
permanecer no campo e sobretudo, na região onde vive.”
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/A dita
base social que originou o MST corresponde a parcela da população que vivia até
então sob a manutenção da agropecuária tradicional que, foi substituída pelas
indústrias que exigiam menor quantidade de mão de obra e mão de obra
especializada, condição socioeconômica fundamental para a organização do
movimento/
“[...] O segundo [elemento importante na
gênese] é o ideológico. [...] é o trabalho pastoral, principalmente na igreja
católica e da igreja luterana. [–] O surgimento da Comissão Pastoral da Terra
(CPT). Em 1975, em Goiânia (GO), foi muito importante para a reorganização das
lutas camponesas. Num primeiro momento ela reuniu os bispos da região
amazônica, que percebiam o altíssimo grau de violência cometida contra os
posseiros das regiões Norte e Centro-Oeste do país. [...]”
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/O engajamento
das igrejas católica e luterana na causa, foi outro fator fundamental para a
gênese do MST, pois criou agora as condições ideológicas necessárias à sua
edificação/
“[...] o MST não surgiu só da vontade do
camponês. Ele só pôde se constituir como um movimento social importante porque
coincidiu com um processo mais amplo de luta pela democratização do país. A
luta pela reforma agrária somou-se ao ressurgimento das greves operárias, em
1978 e 1979, e a luta pela democratização da sociedade.”
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/Neste
mesmo momento, todo o país se via diante de grandes outros movimentos em luta
pela implementação de uma verdadeira democracia no Brasil, aja vistas a
presença do momento ditatorial em que passava o país/
Características e
princípios
“[...] O homem do campo geralmente se define
como agricultor, trabalhador rural ou como meeiro, arrendatário. É, na verdade,
mais um conceito sociológico e acadêmico, que até pode refletir a realidade em
que eles vivem, mas que não foi assimilado.[...] Na essência, o MST nasceu como
um movimento camponês, que tinha como bandeira as três reivindicações prioritárias: terra, reforma
agrária e mudanças gerais na sociedade. Quando nós mesmos fomos nos conceituar,
percebemos que o MST era diferente dos movimentos camponeses históricos, que
apenas lutavam por terra.”
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/Sempre
houve uma grande discussão sobre a organização do MST, como um movimento
camponês diferenciado, pois desde o início já contava com um conjunto de
doutrinas a serem respeitadas./
“[...] A primeira [característica] foi a de
ser um movimento popular, em que todo mundo pode entrar [...], popular no
sentido de que dentro da família camponesa vai todo mundo [...], ideologia em
que entra todo mundo que queira lutar pela reforma agrária.”
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/Na sua
gênese decidiu criar um movimento com características que enfatizam o que foi
comentado, entre elas buscou fazer um movimento popular que permitisse o
engajamento de pessoas dos mais diversos segmentos sociais, além de buscar
abranger também todos os membros da família./
“[...] Esse caráter popular, de se abrir para
outras profissões, sem discriminar, mas também sem perder as
características de um movimento de
trabalhadores rurais, acabou trazendo uma consistência que contribuiu para formar
um movimento com organicidade e com uma interpretação política maior da
sociedade.”
Página 33
/Realmente,
a estratégia de envolver pessoas com habilidades diversas permitiu a criação e
um movimento diversificado, pronto para situações diversas e abrangente de
grande parte ideológica da sociedade./
“[...] Uma outra característica é o
componente sindical. E sindical, aqui, no sentido corporativo [...] Mesmo
depois que a família está assentada, ela passa a lutar por créditos para a
produção, por estrada, pelo preço de seu produto etc. portanto também há dento
do MST um componente sindical corporativo, que só interessa a categoria dos
agricultores.[...]”
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/Logo
no início já ficou claro para os organizadores do MST, que seria necessário
criar uma relação continuada entre os mais diversos setores e membros, o que
levou á uma organização de caráter sindical corporativo./
“Essa terceira característica – o caráter
político do movimento. [...] Tivemos a compreensão de que a luta pela terra,
pela reforma agrária, a pesar de ter uma base social camponesa, somente seria
levada adiante se fizesse parte da luta de classe. [...]”
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/Para
levar adiante a luta pela reforma agrária não seria suficiente a simples
ideologia da luta, o que poderia criar individualismos, sentiu-se a necessidade
de buscar outro elemento de tão grande importância ideológica para unir os
participantes do movimento, optou-se então pela criação de uma identidade de
classe, sob caráter altamente político para tal fim./
“[...] devemos nos preocupar em aplicar
alguns princípios organizativos. Por quê? Porque esses princípios, se
respeitados, iriam garantir a perenidade da organização. [...], primeiro, ter
uma direção coletiva, um colegiado dirigente. Movimento camponês com um presidente
só tem dois caminhos: ou ele vai ser assassinado, ou vai ser traidor.[...]”
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/Para
manter as características anteriormente anunciadas, seria necessário criar uma
organização estruturada sobretudo em princípios que regeria as ações dentro do
MST, o mais importante, trata da direção e coordenação de tais ações, optando
por uma direção coletiva, o que deveria garantir decisões democráticas, e de
caráter não corrupto./
“[...] o segundo principio é o da divisão de tarefas que permite a organização crescer e trazer para dentro
dela as aptidões pessoais.[...]”
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/Seria
necessário também a consciência de que cada pessoa envolvida com o movimento
deveria assumir uma responsabilidade, a que fosse mais condizente com suas
habilidades, assim, cada um saberia o que fazer, sem ser necessário ser
ordenado./
“[...] a questão da disciplina. [...] Se não
houver um mínimo de disciplina, pela qual as pessoas respeitem as decisões das
instâncias, não se constrói uma organização. Isso é regra da democracia. Não é
militarismo ou autoritarismo. Muito pelo contrário. Repito, ate para combater
certos desvios batistas, que a democracia também exige normas ou regras para serem seguidas.[...]”
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/O
comprometimento, regido pela disciplina, constituem mais um dos princípios do
MST, pois tal comprometimento garantia que os componentes do movimento fossem
organizados e assumissem sua postura dentro do mesmo./
“O estudo é outro principio que aprendemos e
procuramos aplicá-lo da melhor forma possível. Se tu não aprenderes, não basta
a luta ser justa. Se não estudares, consequentemente nem tu ne a organização
irão longe. [...]”
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/A base
teórica do MST, assumida pelo princípio do estudo lhe garantiu sucesso que não
foi obtido por tantos outros movimentos de caráter semelhante, pois estes
estudos permitiram analisar os erros para que não fossem repetidos, bem como os
acertos para criar estratégias de luta./
“[...] formação de quadros, que é o nosso
quinto princípio. Nunca terá futuro a organização social que não formar os seus
próprios quadros ninguém de fora da organização vai formar os quadros para nós.
Precisamos de quadros técnicos, político, organizadores, profissionais de todas
as áreas. [...]”
Página 42
/Um
movimento de dimensões como o MST exige um grande contingente de pessoas
envolvidas, sobretudo, com funções diferenciadas, para tanto optou-se por
incentivar a educação de membros do próprio movimento para execução de tais
tarefas, pois assim esta ação funcionaria como um investimento interno ao
movimento./
“Outro principio: a nossa luta pela terra e
pela reforma agrária – já havíamos descoberto por nós mesmos – só avançará se
houver luta de massas. [...] O direito assegurado na lei não garante nenhuma
conquista para o povo. Ele só é atendido quando há pressão popular.[...]”
Página 43
/Talvez
a maior marca do MST consiste na insistente luta pela terra, tal fato é um dos
mais importantes princípios do movimento, pois é o momento em que efetivamente
ocorre a prática de ações concretas que resultam em soluções também concretas./
“[...] O sétimo principio é a vinculação com
a base. Por mais alto nível que tenha um dirigente, por mais estudado que seja,
por mais combativo e lutador que demonstre ser, se não mantiver o pé no chão,
se não mantiver atividades de base, senão mantiver vínculos com a sua base
social, não irá longe. [...]”
Página 43
/De
nada teria importância ou respaldo um movimento social que não estivesse
diretamente interligado internamente, sobretudo tendo a base como de
fundamental importância na tomada de decisões. Daí a importância que o MST
sempre deu aos camponeses que constituem a verdadeira massa do movimento./
Aprendizado
“A maioria dos militantes mais preparados do
movimento teve uma formação progressista em seminários da igreja. Essa base
cristã não veio por um viés do catolicismo ou da fraternidade. A contribuição
que a Teologia da Libertação trouxe foi a de ter abertura para várias ideias.
Se tu fizeres uma análise critica da Teologia da Libertação, ela é uma espécie
de simbiose de várias correntes doutrinárias. [...] Em suma, incorporamos dela
a disposição de estar abertos a todas as verdades e não somente a uma, porque
esta única pode não ser verdadeira. [...]”
Página 59
/Dentro
do MST não é pequena a quantidade de pensadores e estudiosos que tornam o
movimento, um movimento diferenciado, tais pensadores buscaram influencia na
Teologia da Libertação, que deu apoio às tomadas de decisões nos momentos
distintos, mas, sobretudo, foi na experiencia e no estudo das experiencias de
outros movimentos, que o MST, ganhou forças e pode preparar suas táticas de
ação./
Governo: dos militares
a Itamar
“[...] E, foram os dois períodos em que houve
mais assentamentos [segundas metades das décadas de 1980 e 1990]. Na época do
Sarney, quando o governo não agilizava o assentamento, ninguém nos tirava da
área ocupada. Virava, na prática, um assentamento. Como o Estado não podia
desencadear a repressão maciça, porque as nossas ocupações eram de massas,
surgiu a UDR como uma forma de organização do latifúndio. Ela surgiu com duas
intensões: reprimir o MST e, sobretudo, fazer pressão sobre o governo. [...]”
Página 67
/Neste
momento, o Brasil passava por mais um momento de conturbação política e, diante
de tais condições o MST se aproveitou para fazer cada vez mais ocupações e
buscar fazer ações para manter a correlação de forças a seu favor./
“[...] A derrota da candidatura Lula foi uma
derrota politica após dez anos de ascessão do movimento de massas do Brasil.
Ela nos atingiu também. Como estávamos na adolescência, éramos um movimento
muito fraco ainda. Foi como se perdêssemos o pai ainda jovem, porque não
tínhamos maturidade suficiente para compreender o momento histórico que
vivíamos. Afetou o ânimo da militância e aquela expectativa de que era possível
fazer uma reforma agrária rápida. [...]”
Página 68
/Um dos
piores momentos vivido pelo MST corresponde à derrota de Lula nas eleições
presidenciais, isso representou um verdadeiro baque para o movimento que
apoiava diretamente tal candidatura, pois construiu-se toda uma estrutura
ideológica em torno de tal eleição, que representava uma oportunidade de
revolucionar as condições sociais e políticas no país./
Educação
“Já do ponto de vista da divulgação, para os
meios de comunicação, para a sociedade em geral, o ENERA ajudou a propagandear,
no sentido positivo, que o MST não se preocupa só com terra, se preocupa também
com a escola, com educação. [...]”
Página 74
/Desde
o início o movimento já demonstrou inquestionável atenção à educação, mas a
criação do ENERA, assumiu a real dimensão de tal preocupação ao incentivar de
forma incessante, a educação como transformadora./
“[...] Estes seriam, digamos, os dois desvios
da esquerda: achar que o coletivismo resolve tudo ou ficar esperando pelo
socialismo. Há também um desvio de direita, atrasado ou basista, que defende
deixar que o camponês por si só resolva os seus problemas ou que simplesmente
se integre no mercado e vire um pequeno capitalista. Nosso programa agrário
busca superar ideologicamente essas dicotomias. Ele representa uma proposta de
como reorganizar o meio rural do Brasil, para democratizar a terra e o
conhecimento. [...]”
Página 76
/Ao
buscar aliar o conhecimento e a democracia da terra, o MST buscou construir ao
longo de sua existência, a prova de que é possível construir uma sociedade com
princípios e valores diferentes, daqueles pregados por tão conhecido “modo de
produção capitalista”, que reproduz uma
ideologia, sobretudo individualista, competitiva e não solidária./
“BERNARDO: O MST vai contra toda uma corrente
que existe no mundo inteiro hoje, que defende que o campo vai acabar. Ao criar
uma outra politica, cria, consequentemente, uma nova concepção. O setor de
Educação passa a ter uma grande responsabilidade, por que o professor daquela
escola rural é um trabalhador rural. Os pesquisadores que vão trabalhar em
determinado assentamento também são trabalhadores a partir de uma nova
concepção de vida rural. Em decorrência disso, o MST enfrenta uma luta difícil,
que é a de tentar explicar aos educadores, aos governos, enfim, as pessoas que
desenvolvem politicas públicas que a escola não pode ser na cidade, que a
escola tem que ser no assentamento.”
Página 77
/A luta
por uma identidade rural, fez com que os participantes do MST buscasse
articular o conhecimento técnico-científico à realidade rural, de maneira
organizada, e inter-relacionada. Tal condição fica escancarada na luta por uma
educação no campo e do campo./
Organização
“[...] O MST hoje trabalha em várias frentes,
como as lutas por reforma agrária, produção de alimentos, educação, melhoria da
qualidade de saúde e de vida da população que está na organização etc.[...]”
Página 81
/Para
manter o caráter continuador do MST, desmistificando os movimentos sociais como
sendo de fins exclusivos para luta, o movimento buscou articular diversas
frentes de ações, para garantir que fosse cumprido o compromisso de um
movimento realmente social./
“[...] Recuamos sempre que houve votações de
empate ou vitória por uma pequena maioria. Nunca decidimos pelo número [...].
Quando tu sentes que não é a grande massa que está convencida por aquela
decisão, é preferível esperar um pouquinho mais. Isso está ligado à idéia de
gestação de que estávamos falando. Assim, quando se tomam as decisões no
movimento, em geral elas são quase unanimes. Isso não está em nenhum
regulamento interno. Acho que foi se criando essa sensibilidade de que quando a
coisa é muito empatada não vale a pena insistir. É preciso amadurecer mais.
[...]”
Página 85
/A
opção pela justiça. Moralidade e organização faz com que o MST resista aos
momentos diversos, pois é com base nestes princípios intrínsecos nas decisões
do movimento que permitem o acerto e o cumprimento real da vontade da maioria./
Instâncias
“[...] Ninguém imaginaria que iria ter um
Setor de Produção, de Assentamentos etc. este último setor, por exemplo,
começou basicamente em 1986, quando realizamos o I Encontro Nacional dos
Assentados, em Cascavel (PR). Como a maioria dos assentamentos era da região
Sul, aquele Encontro Nacional resolveu ter como bandeira principal a luta por
crédito. Discutimos uma nova linha de crédito do BNDES. Daí nasceu a Comissão
Nacional dos Assentamentos. [...]”
Página 88
/Como
já foi mencionado anteriormente, a organização desejado pelo MST levou a
criação de várias frentes de ações, entre elas a preocupação pela articulação
dos assentamentos, pois não era suficiente ocupar a terra se não fosse
articulado o mínimo de estrutura para manutenção de tal espaço./
“[...] Na medida em que vai surgindo uma nova
atividade, não se sabe como apelidá-la. Nunca tivemos a preocupação de ter um
organograma certinho, aliás nunca existiu organograma no MST. As coisas foram
acontecendo de acordo com a necessidade. [...] O principal é ir desenvolvendo a
atividade. É irrelevante o nome que mais tarde daremos a ela.[...]”
Página 93
/A
existência da estrutura organizacional do MST não é resultado e um planejamento
prévio, mas do conjunto de necessidades que foram surgindo com o tempo e com as
condições que foram enfrentadas pelo movimento./
Produção e cooperação
agrícola
“[...] Na primeira etapa do movimento, que
vai desde as primeiras ocupações de 1979 ate 1985, havia uma visão romântica da
produção. Isso porque a memória histórica dos camponeses que conquistavam a
terra estava ainda na etapa anterior à modernização da agricultura. A família
foi expulsa pela maquina, mas o seu memorial técnico era do boi e da enxada.
[...] Era muito difícil fazer a discussão da organização da produção com os
trabalhadores.[...]”
Página 95
/Um dos
maiores desafios enfrentados pela administração do movimento consistiu na
introdução de uma nova cultura técnico-científica dentro dos assentamentos,
pois as famílias teriam que se adaptar ao novo ambiente que apresentavam suas
peculiaridades e, sem falar na função do MST de criar uma assistência
continuada a tais famílias assentadas./
“[...] Naquele período, de 1986 a 1990, o
grande avanço que obtivemos foi o desenvolvimento dessa teoria da cooperação
agrícola deveriam ser flexíveis é preciso levar em conta as condições objetivas
e subjetivas da comunidade que vai aplica-la. As condições objetivas são o
nível de acumulação de capital existente, o tipo de produto que é possível
produzir, as condições naturais existentes no assentamento. [...]”
Página 101
/A
opção pela cooperação agrícola fez do MST um movimento que pudesse orientar as
famílias assentadas a introduzirem em sua prática produtiva, métodos mais
adequados e cooperativos de produção, por análises profundas no que seria
melhor./
“As condições subjetivas são o grau de
consciência politica e a história de participação de uma determinada comunidade
adquiridos na luta para a conquista da terra. [...]”
Página 102
/Não
bastava investir na produção, mas na reflexão sobre o ato político que era
executado ao longo de todo o processo./
“A divisão do trabalho é uma questão
objetiva, não é resultante de uma discussão nem depende da boa ou da má vontade
das pessoas o trabalho, para o seu êxito, exige a especialização das pessoas.
Para que isso ocorra cada vez melhor e com rapidez cada vez maior, é preciso
dividir tarefas. É claro que há uma variação do grau de complexidade dessa
divisão do trabalho. Isso depende do estágio e
que se encontra essa organização do trabalho.”
Página 108
/A
produção também tinha uma divisão de tarefas e o incentivo à produção
consciente com o objetivo maior de garantir que fosse produzido aquilo que
gerasse lucro para a comunidade, da melhor forma possível e com as melhores
técnicas./
Ocupação
“[...] como diz o professor Plínio de Arruda
Sampaio: ”A elite pode até aceitar que os pobres peçam favores ou mendicâncias,
mas jamais aceitará que eles se organizem para exigir seus direitos”. E a
ocupação é uma forma aglutinadora, não é um grito isolado. Se tu deres o grito
isolado e fores ocupar um supermercado, ai justificam o crime: “Tá vendo, além
de pobre é ladrão”.[...]”
Página 114
/As
barreiras enfrentadas durante as ocupações não são poucas, sobretudo daqueles
que deveriam estar defendendo os interesses da sociedade, como polícia e
governantes, mas a grande verdade é que a força da união ameaça as correlações
de forças e causa medidas dolorosas durante as ocupações./
Solidariedade e
desenvolvimento
“O segundo desafio, assim podemos dizer é o
exercício intensivo da solidariedade com a sociedade. Essa solidariedade deve
ocorrer em coisas práticas, como por exemplo estabelecer um banco de doadores
de sangue para os hospitais públicos das cidades próximas aos assentamentos.
Devemos ser os primeiros voluntários a presta ajuda em casos de catástrofes
naturais, como enchentes, temporais, secas etc. os assentamentos devem fazer
brigadas de solidariedade para atender esses casos.”
Página 123
/A
organização presente no MST, permite o planejamento de operações táticas
solidárias, com o objetivo de mostrar para a sociedade que seus princípios não
constituem somente na ocupação da terra, mas a criação de um conjunto de
relações com a sociedade como um todo, pois o MST não é algo isolado do mundo,
pelo contrario, busca uma interação maior de iguais para iguais./
Mística
“[...] A mística só tem sentido se faz parte
da tua vida. Não podemos ter momentos exclusivos para ela, como os congressos
ou encontros nacionais ou estaduais. Temos de pratica-la em todos os eventos
que aglutinem pessoas. Já que é uma forma de manifestação coletiva de um
sentimento. Queremos que esse sentimento aflore em direção a um ideal, que não
seja apenas uma obrigação. Ninguém se emociona porque recebe ordem para se
emocionar, se emociona porque foi motivado em função de alguma coisa. Também
não é uma distração metafísica ou idealista, em que todos iremos juntos para o
paraíso. Se for assim, então vamos chorar, como se faz em muitas seitas religiosas.
Já os carismáticos, estes usam a mística para um ideal inalcançável. No caso
ela não se sustenta, da mesma forma que esse movimento carismático não dura a
vida inteira. As pessoas se darão conta do engodo, que pode até durar 20 anos
ou 30 anos, mas não sobrevive na história da humanidade. Diferentemente, fomos
construindo maneiras de fazer mística a partir de uma maior compreensão. Antes
só imitávamos: “A igreja usa determinada liturgia mística para manter a unidade
em torno do projeto do Evangelho”. Quando forçávamos a cópia, não dava certo
porque as pessoas têm dessa compreensão, em cada momento, em cada atividade do
movimento, ressaltamos uma faceta do projeto como forma de motivar as pessoas.”
Página 131
/A
mística é de grande importância na construção do ideal do MST, pois insiste na
união das pessoas como sendo capazes de buscar realizar tal ideal que no fundo
é o que cada componente do movimento mais quer, ter seu lugar, criar relações
emotivas e tudo isso, baseado na mística./
FHC:
contra a reforma agrária
“Na conjuntura da luta pela
reforma agrária de 1995 a 1997, a interpretação que fazemos parte de duas
premissas. A primeira: o governo FHC faz uma leitura da realidade agrária
brasileira dizendo que não existe mais
problema, a grande propriedade não é empecilho para o desenvolvimento do
capitalismo brasileiro, não é mais necessário fazer uma reforma agrária do tipo
capitalista. Isso eles nos dizem com essas palavras.”
Página 139
/A
primeira concepção de reforma agrária, absorvida pelo governo do FHC, tratava o
problema como inexistente, pois o grande problema não era o tamanho da
propriedade no desenvolvimento do capitalismo, seria suficiente o contato do
homem com a terra, mesmo que não fosse contato de propriedade./
“[...] A segunda premissa da
política do governo é que o modelo econômico que está em implantação subordina
completamente a nação ao capitalismo internacional. Para isso, abre o mercado
para produtos de fora e entrega da economia ao domínio do capital financeiro.
Hoje, a hegemonia, o centro de acumulação econômica, é o capita financeiro.
Ora, nesse modelo a agricultura é marginalizada. A própria burguesia não vê
mais na agricultura um centro de acumulação.”
Página 139
/Sob
um segundo ponto de vista, o governo passa a enxergar a não necessidade de
incentivo á reforma agrária, pois percebia-se maior necessidade do homem em
outros meios de produção que não a agricultura, esta deveria caber realmente
aos grandes latifundiários./
A
marcha
“[...] O movimento tem essa
característica: tudo é movimento, no sentido literal da palavra. A ideia da
marcha teve a mesma origem da ideia das caminhadas, coisa que já vinhamos praticando
há muitos anos. [...] o sentido da caminhada não é uma coisa nova nem é ideia
original do MST, nem das organizações camponesas ou dos trabalhadores.
Estudando a história dos povos, percebemos que sempre existiram exemplos de
caminhadas. Nas lutas mais generosas da humanidade, sempre houve caminhadas
massivas e longas. É u gesto coletivo já histórico.”
Página 149
/A
marcha representa no movimento, a união e luta pela terra, desperta os
sentimentos de justiça e igualdade, o que cria a verdadeira reinvindicação por
direitos./
A
reforma agrária
“O primeiro conceito da
reforma agrária poderia ser caracterizado como aquela reforma agrária do tipo
clássico, que foi feita pelas burguesias industriais no final do século passado
e até depois da Segunda Guerra Mundial. É, pois a reforma agrária clássica,
capitalista. Qual era seu principal objetivo: democratizar a propriedade da
terra, distribuindo a terra para os camponeses e os transformando em pequenos
produtores autônomos. [...]”
Página 157
/Inicialmente,
a reforma agrária era tida como a simples distribuição de terra, visando a
autonomia do beneficiado, não existia uma preocupação realmente política com o
futuro do homem e da própria terra./
“O segundo conceito se
refere à confusão entre reforma agrária e política de assentamentos. Fazer
assentamentos de famílias sem terra não significa necessariamente fazer reforma
agrária. [...]”
Página 159
/A
reforma agrária envolve uma escala diferenciada, a nível de país, ou mesmo
estado, o que é diferente do assentamento, que se destina a uma pequena
comunidade, sem falar que a reforma agrária se faz com redistribuição justa de
terra e não com a simples permissibilidade ou doação da terra./
“O terceiro conceito de reforma agrária
utilizado no Brasil seria [...] considerar que o Brasil enfrenta um grave
problema agrário que é a concentração da propriedade da terra, e que, portanto,
para resolver esse problema, é necessário realizar um amplo programa de
desapropriações de terra, de reforma rápida, regionalizada e distribui-la a
todas as famílias sem terra, que são 4,5 milhões em todo o Brasil.”
Página 160
/A
efetiva reforma agrária só é possível com altos investimentos em um conjunto de
fatores que configuram a realidade da posse da terra no Brasil, desde a
infraestrutura básica à questão ideológica./
“O que avançamos então com o
movimento, na concepção de nossa luta pela reforma agrária, é que partimos da
nossa realidade e vimos que há dois problemas estruturais no meio rural
brasileiro: a pobreza e a desigualdade social. Portanto, os objetivos
estratégicos do MST lutam pela eliminação da pobreza e das desigualdades
sociais. E para alcançá-los achamos que no meio rural é necessário começar pela
distribuição da propriedade da terra. [...]”
Página 161
/A
observação da realidade do campo, fez do MST um movimento estratégico com o fim
maior de oferecer a possibilidade de posse da terra aos camponeses, mas com
ela, toda a identidade, estrutura e cultura que é necessária./
“E finalmente achamos que na
nossa realidade a reforma agrária precisa vir casada com a democratização da
terra e do capital com uma multidão de analfabetos. Por outro lado, na
sociedade moderna, conhecimento, cultura, informação é poder. E é necessário
que todos os camponeses tenham acesso a esses conhecimentos, por isso é
necessário democratizar a educação.”
Página 162
/Um
dos grandes problemas enfrentados por muitos países, na execução de suas
reformas agrárias consistiu na não democratização da terra, que mesmo ocorrendo
a reforma ainda permaneciam as propriedades improdutivas, ou em muitos casos
foi destinado a tal reforma as terras de difícil cultura. E, mais uma vez vale
ressaltar que a reforma deve ser tão agrária como social, pois é necessário uma
consciência política e educacional para que o processo de reforma agrária possa
se reproduzir./